quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Desgaste rápido

Desgaste rápido

O meu avô, de sua graça Manuel Mendes, foi jornaleiro! Pois, Jornaleiro, mas não vendia jornais! Trabalhava na agricultura, com contratos diários. Estranhamente, não retorquia empresário agrícola ou jovem agricultor, quando questionado sobre a sua actividade profissional. Decididamente, o Manel não era um visionário!
Hoje em dia, tamanha simplicidade seria, no mínimo, considerada de uma pequenez quase intolerável. Efectivamente, nos últimos anos, um grosso número de profissões sofreu profunda modernização ao nível da designação. Por exemplo, o tradicional festeiro passou a ser designado de relações públicas. Obviamente, ser relações públicas em nada se compara a ser festeiro. Logo para começar, nas suas atribuições não se incluem actividades tais como, assar frangos, lançar foguetes ou fazer os leilões da quermesse. As suas incumbências resume-se a dar conversa. Ou seja, é uma espécie de festeiro mas que, no entanto, apenas dá conversa!
Por outro lado, as novas tecnologias potenciaram o surgimento de novas profissões, algumas assumindo-se como pilares do desenvolvimento das espécies. Uma delas é a de blogger. Esta actividade, além de ser determinante para o desempenho de um qualquer hemisfério cerebral, apresenta-se como alavanca da economia de qualquer nação. Basta para isso, considerar o contributo inigualável que um conjunto de composições sobre os mais variados e interessantes temas, têm para o produto interno bruto. Isto, sem considerar o facto de quando a leitura de tais tratados coincide com o horário laboral dos leitores. Nesse caso, o patronato sai também beneficiado, uma vez que, embora o funcionário não esteja a produzir riqueza para a empresa, está a adquirir conhecimento. E quem sabe se um dia, as orientações absorvidas num qualquer blogue, não poderão representar para a firma uma mais-valia do tipo insolvência por não sei o quê.
Mas bom, voltando ao caso do meu avô Manel, por ser jornaleiro, além de não ter disponibilidade, digamos de tempo, para ter uma conta num paraíso fiscal, não auferia de benesses na hora de pagar impostos. Depois de fazer uma análise cuidada sobre a questão dos impostos, concluiu que o problema só poderia ser resolvido através de uma das seguintes vias: se deixasse de trabalhar, ficasse rico ou então fosse atleta de alta competição. A primeira hipótese, apesar de ser bastante apetecível, teria por certo um desfecho, digamos, pouco agradável. Ficar rico, assim sem mais, seria no mínimo utópico. Isto se levarmos em linha de conta que o Manel nunca pertenceu a quadrilhas ou andou metido na política. Resumindo, a chave para o problema estava no desporto!
Vai daí, largou a agricultura e abraçou em exclusivo a actividade desportiva. Após detalhado e cuidadoso estudo sobre as várias modalidades desportivas, resolveu inscrever-se no chinquilho. No início, não foi nada fácil. As contrariedades foram muitas… levantar cedo para os treinos de quase 4 horas, depois fazer ginásio e massagens de relaxamento, era tudo simplesmente estafante. De facto, a dureza e horário dos treinos em nada se comparava, ao de sol-a-sol da jorna agrícola. Depois havia também a questão dos estágios. Muitas das vezes, o pobre homem era obrigado a passar largas temporadas em praias exóticas, isto só para acostumar o costado ao clima.
Contudo, rapidamente os enormes sacrifícios viriam a dar fruto. Apenas dois anos volvidos, já tinha sido quase várias vezes internacional pela selecção nacional de chinquilho. Com o sucesso desportivo, não tardou também o retorno financeiro. Além do vencimento, passou também a usufruir de chorudas maquias em campanhas publicitárias de promoção a bancos em pré-falência e a champôs para cães. Mas melhor que tudo, alcançou o estatuto de atleta de alta competição. E assim, sem mais, de jornaleiro de desgaste lento, passou a atleta de desgaste rápido com benesses fiscais.
Todavia, atingidos os 35 anos de idade, o ti Manel, derreado claro está, teve que abandonar o desporto de alta competição. Nessa fase, sem saber o que fazer para ocupar o tempo, resolveu inscrever-se em concursos televisivos. A participação num deles, por sinal muito jeitoso, o Encharca-o-Tanque, viria a projectar o Manel para o mundo dos negócios.
No dito programa, o Manel apresentou a sua ideia de negócio, que consistia num novo conceito de cozinha gourmet, em que o objectivo era servir comida e não iscos para a pesca. O público-alvo seriam caçadores, pescadores e outros mentirosos. Foi a loucura! Perante tão arrojado e brilhante rasgo mental, os membros do júri, envolveram-se numa acesa disputa, digamos à bofetada, isto só para conseguir um lugar na futura sociedade. Justo como era o Manel, resolveu que todos participariam desde que entrassem na escala de serviço ao balcão.
Formado o grupo de investidores, foi sugerido ao Manel que fundasse uma spin-off no ramo da restauração gourmet. Ao que este respondeu: “Smirnoff o quê? Eu cá não bebo dessa merda! Para mim tem que ser tinto e do bom!”. Mas bom, lá chegaram a um consenso e fundaram a Taberna Arrebenta-a-tripa.

O negócio foi um sucesso! Ainda jovem, o estabelecimento contava já com a inscrição em vários roteiros gastronómicos e com 5 Estrelas Mabor. Para isso, muito contribuíram os elaborados pratos de jaquinzinhos de escabeche e de iscas de cebolada, confecionados pelo famoso Chef Migas.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Luís Braz dos Camiões

Luís Braz dos Camiões


Canto I - 1 Estância

As damas e os varões cromados
Que de avental e saia puritana
Por bares nunca de antes frequentados
Passaram ainda além da champanha,
Em perigos e caminhos apertados
Mais do que permitia a força humana,
E entre gente remota boeram
Novo treino, que tanto veneraram;

E também as mixórdias custosas
Daqueles copos que foram dilatando
A Fé, o mistério, e as moças viçosas
Dos aforros e da paga andaram gastando,
E aqueles que por sobras gostosas
Se vão da lei da sede libertando,
Calhando os difamarei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o desdenho e arte.

Cessem o Gregório e o Lapadas
As acções grandes que fizeram;
Cale-se o Esponja e o bagaceiro
A fama das histórias que fingiram;
Cá o Marialva apalpa o ilustre peito Lusitano,
De quem Baco e Nefija apontaram.
Cesse tudo o que a Manhosa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.