Mar da Beira Interior
Nascido
e criado no interior do País, as férias na infância eram passadas longe do mar.
Ou pelo menos, assim o julgava. Porém, graças a um ido ministro da República
Portuguesa, viria mais tarde a descobrir que cidades junto a nuostros hermanos eram também litoral. Vá
lá saber-se porquê… Apesar disso, e se a memória não me atraiçoa, lá por terras
da Beira Interior, o mar no seu sentido mais clássico, nunca despontou.
Na
escassez de mar, consolas, quinhentos canais de televisão e computadores, a miudagem
brincava na rua. Bom, em relação aos computadores, a coisa não era bem assim.
Na época, alguns afortunados já dispunham de uma espécie de PC, alguns com uns
poderosos 128k de memória1, que permitiam jogar uns evoluídos jogos.
Porém, existia uma ténue fronteira entre jogar ou não, situada na
disponibilidade de um monitor, a televisão lá de casa. Na maioria dos casos
esta era única e, os habitantes vários. Resumindo, telejornal e novelas quase sempre
levavam a melhor.
Na
rua, as actividades tinham nomes do tipo, futebol, belharda, chinquilho, espeta,
berlinde, etc. Todos, ou quase, tinham uma duração do tipo muda aos 5, acaba
aos 10. Tinham também a particularidade de serem disputados pelos próprios. Sim,
as figurinhas eram feitas na rua para quem as quisesse ver! Hoje, felizmente,
estas situações ficam circunscritas normalmente a uma sala, onde não apenas
crianças mas também adultos, de comando em punho frente a um televisor aparentam
estar sujeitos à fúria de um exame de vespas.
Por
outro lado, a forma como a criançada se encontrava na rua para brincar, era no
mínimo esquisita. Os ajuntamentos não eram combinados em redes sociais ou por
SMS2. A pé ou de bicicleta, a malta lá se esgueirava de casa3
e, pronto! Foram tempos difíceis e arriscados. Por um lado, eram difíceis
porque nem sempre era possível usar a bicicleta. A razão era simples: a maioria
de nós não a tinha! Era arriscado, porque a ter bicicleta, não usávamos
capacete, joalheiras e sei lá mais o quê… Arranhões e hematomas eram motivo de
orgulho. Infelizmente, eram também mais um dos muitos pretextos para as nossas
mães nos afiambrarem.
Na
derradeira etapa da adolescência lá decidi rumar até ao litoral, mas daquele
que tem mar! Fui para o algarve! Nem mais, logo à rico! Para embarcar nessa aventura, espatifei os 20 contos
aforrados como caixeiro. Sim, é verdade, fui comerciante, sete anos no verão! Embora
seja esquisito, trabalhar era muitas das vezes uma actividade de férias. Na
época, a exploração infantil tinha um significado algo diferente: os gaiatos
iam trabalhar para explorar o que custa a vida!
Como
na altura ainda não havia TGV, fui de comboio regional. Maravilhoso, apenas 16
horas de viagem. Até então, não tinha a noção de como era longe o Algarve.
Afinal de contas é quase Marrocos! Chegado ao destino, rumei ao parque de
campismo4, onde após cuidado e detalhado estudo sobre sombras5,
armei a barraca. Posto isto, fui até ao mar.
No
final da tarde, já dotado de um belo escaldão e vencida a fila para o banho no
campismo, fui em busca de repasto. No restaurante, empunhando a ementa, conclui
que as férias seriam extremamente instrutivas. No algarve, a língua oficial é o
inglês! Desde o pedido até à conta, tudo se passava como se trata-se de um distinto
turista inglês, daqueles que vêm da Inglaterra. O desfecho disso, e talvez
também consequência do inglês de praia, foi que pedi várias vezes comida de que
não gostava e paguei contas para as quais não estava psicologicamente
preparado.
Por
motivos óbvios, os oito dias planeados rapidamente encolheram para quatro.
Mesmo assim, consegui evitar o comboio e regressei de carro. Ah pois é, regressei
à boleia!
Já
adulto, mas solteiro, resolvi investir em férias além-fronteiras. De poupanças6
em punho lá comprei um pacote de férias denominado “Vá para fora”. No entanto, o produto afinal era “Vá para fora, cá dentro”. Efectivamente,
o “cá dentro” estava lá, mas ofuscado
por um cartaz dum concerto, acho eu, da Samantha
Fox.
6
Pronto
já sei! Estão a rotular-me de antiquado. Devia era ter feito um crédito para
férias, depois como saldar a coisa, era apenas um detalhe.
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Ultrapassado
o equívoco, enfiei-me num avião rumo a um longínquo paraíso tropical. A ideia era
passar umas férias sem portugas! Todavia,
durante a viagem alguns “tá bem, passa pra
cá, desampara a loja”, sugeriam presença lusa a bordo. E de resto, o
ensurdecedor aplauso a assinalar a aterragem, certificaria o meu maior receio. A
bordo seguia uma força invasora! Uns quantos recém-casados, alguns reformados e
grupos de solteiros, ainda meio anestesiados7, compunham as suas
fileiras!
Durante
o desembarque, momentos houve que roçaram os experimentados pelas tropas
aliadas durante o dia D na Normandia. No meio do salve-se quem puder, soavam
frases do tipo: “amor, não te esqueças da
máquina fotográfica”, “deixa passar
que estou com uma sede do caraças!”, “amorzinho,
vai tu à frente”, “manel, trouxeste
os dentes”; “Bora lá às gajas”. Os
dados estavam lançados!
Enfim,
instalado no hotel, ou melhor num colonato luso, quase que conseguia repousar
após uma viagem de 16 horas. Sim, quase, já que entretanto uns quantos
indivíduos faziam a ronda, cantando qualquer coisa yellow submarine. Felizmente, as férias acabaram e lá regressei
para um local com menos Tugas por
metro quadrado, Portugal!
Posteriormente,
vieram as férias em família. Aqui a coisa era bastante mais calma. Na véspera
da partida, dava-se início à carga dos pertences essenciais para uma semana de
férias. Normalmente, a coisa resolvia-se com três malas de roupa por pessoa, ou
seja, no caso um total de nove. Depois, o saco com equipamento de praia, o do
farnel para a viagem, outro com ração para os animais e, finalmente, o carrinho
de mão. E pronto, estava tudo!
No
dia seguinte, os três, o cão, o gato e o canário, lá partíamos rumo ao
descanso. Por vezes, para facilitar o fecho das portas, o cão entrava pela
janela, já com o carro em andamento. Percorridos cerca de 10 km de um total de
500, o Alfredo, criança da família, iniciava a sequela de perguntas. O “ainda falta muito?” ou então o “já estamos a chegar?” seriam repisados um
sem número de ocasiões, que até o cão rogava por misericórdia.
Chegados
ao destino, o primeiro dia era preenchido a descarregar e a arrumar as tralhas,
num belíssimo apartamento no 5º andar frente à praia, sem elevador. Ao segundo
dia, carregávamos o carinho de mão com o equipamento de praia e rumávamos até
ao areal. Ao final da tarde, lá se regressava a casa. E assim se passavam os
dias de descanso, tirando o último.
No
derradeiro dia, o processo do primeiro era repetido, mas agora a descer escadas.
No regresso, devido às habituais compras de férias, para fechar as portas, não
bastava o cão entrar pela janela. O canário ajeitava-se no cinzeiro e o gato seguia
de correio azul. Com sorte, o bichano chegava ao destino no dia seguinte!