segunda-feira, 3 de setembro de 2018


Auto-Route de Burgos…


A Auto-Route de Burgos é aquilo que representa um verdadeiro hino à música. Esgalhada pelo Bob Dylan português, o artista da Beira Baixa Jerónimo, esta música é um dos muitos sucessos da banda Jerónimo e os Cro-Magnon, onde se destacam outros êxitos inesquecíveis como: Dias de chuva com granito calibre #3 e #5, Tasca da Estação, Balada do Trolha e Apanhar o grelo.
Despeço-me com amizade, deixando a letra de Auto-route de Burgos, música que homenageia o emigrante dentro de cada um de nós.

AUTO-ROUTE DE BURGOS

Auto-route, auto-route
Auto-route, auto-route

Vinha eu na auto-route,
Vinha eu e ma famile.
Vinha eu tout tranquile
No meu nouveau automobile
Que me custou 50 mil balas
Lá no meu apartement.

Auto-route, auto-route
Auto-route, auto-route

Bem, la vinha eu na auto-route de Burgos
Quatre-vingt dix noventa auto-route a fora toute la vitesse.
Vinha eu, um algeriano, um marrocano e cinco arábes
Quando de repente à côté d'auto-route havia uma casa tipo maison
Com fenêtres p'rá frente, janelas p'ra trás
E um placard à côté que dizia "restaurant".
Entrei no restaurante
Disse "Garçon, uma bièrre p'ra moi,
Outra bièrre p'ró outro moi
Que está à côté de moi".
E outro moi disse "Garçon,
Outra bièrre p'ró outro moi à côté de moi".
E o outro moi disse "Oh, se tu veux,
Eu também veux".

Auto-route, auto-route
Auto-route, auto-route

Bem, saímos do restaurant complétement îvre.
Prendi a auto-route quatre-vingt dix noventa, auto-route a fora toute la vitesse,
Quando de repente um auto-bus, moitié dentro, moitié fora da auto-route...
Oh que grande accident...
Parti uma jambé
Fui parar à l'hopital
Foi então que chegou o médecin
Disse "Monsieur, só tem uma solution,
Ou vai p'ró chômage,
Ou vai p'rá retraite,
Ou então vai lá p'ró vale
Das batatas no seu Portugal".

Auto-route, auto-route
Auto-route, auto-route

Bem, lá fui eu p'ró vale das batatas no meu Portugal
Prendi uma semaine de vacances e fui até à la plage.
Lá estava eu au bord de la mer, avec ma mére, quando a minha mére disse:
"Oh Michel, Michel! Rien, rien!" E eu comecei a rienar.
Lá estava eu no meio de la plage a rienar tout-a-fait
Quando de repente me começou a faltar o air conditioned
E eu estava a ir au fond...
E a minha mére da outra côté de la plage gritava
"Oh Michel, Michel! Qu'est-ce que se passe?"
E eu disse "Oh, non se passe nage, non se passe nage. Só estou a rienar".

Auto-route, auto-route
Auto-route, auto-route


Mar da Beira Interior

Nascido e criado no interior do País, as férias na infância eram passadas longe do mar. Ou pelo menos, assim o julgava. Porém, graças a um ido ministro da República Portuguesa, viria mais tarde a descobrir que cidades junto a nuostros hermanos eram também litoral. Vá lá saber-se porquê… Apesar disso, e se a memória não me atraiçoa, lá por terras da Beira Interior, o mar no seu sentido mais clássico, nunca despontou.
Na escassez de mar, consolas, quinhentos canais de televisão e computadores, a miudagem brincava na rua. Bom, em relação aos computadores, a coisa não era bem assim. Na época, alguns afortunados já dispunham de uma espécie de PC, alguns com uns poderosos 128k de memória1, que permitiam jogar uns evoluídos jogos. Porém, existia uma ténue fronteira entre jogar ou não, situada na disponibilidade de um monitor, a televisão lá de casa. Na maioria dos casos esta era única e, os habitantes vários. Resumindo, telejornal e novelas quase sempre levavam a melhor.

1 Algumas dessas lendárias máquinas dispunham de leitor de cassetes. Mas o suprassumo, era quando vinham equipadas com drive de disquetes.

Na rua, as actividades tinham nomes do tipo, futebol, belharda, chinquilho, espeta, berlinde, etc. Todos, ou quase, tinham uma duração do tipo muda aos 5, acaba aos 10. Tinham também a particularidade de serem disputados pelos próprios. Sim, as figurinhas eram feitas na rua para quem as quisesse ver! Hoje, felizmente, estas situações ficam circunscritas normalmente a uma sala, onde não apenas crianças mas também adultos, de comando em punho frente a um televisor aparentam estar sujeitos à fúria de um exame de vespas.
Por outro lado, a forma como a criançada se encontrava na rua para brincar, era no mínimo esquisita. Os ajuntamentos não eram combinados em redes sociais ou por SMS2. A pé ou de bicicleta, a malta lá se esgueirava de casa3 e, pronto! Foram tempos difíceis e arriscados. Por um lado, eram difíceis porque nem sempre era possível usar a bicicleta. A razão era simples: a maioria de nós não a tinha! Era arriscado, porque a ter bicicleta, não usávamos capacete, joalheiras e sei lá mais o quê… Arranhões e hematomas eram motivo de orgulho. Infelizmente, eram também mais um dos muitos pretextos para as nossas mães nos afiambrarem.

2 Se a internet era uma miragem, a palavra telemóvel nem do dicionário constava.
3 Fugas habitualmente premiadas. No regresso, umas lambadas eram quase certas.

Na derradeira etapa da adolescência lá decidi rumar até ao litoral, mas daquele que tem mar! Fui para o algarve! Nem mais, logo à rico! Para embarcar nessa aventura, espatifei os 20 contos aforrados como caixeiro. Sim, é verdade, fui comerciante, sete anos no verão! Embora seja esquisito, trabalhar era muitas das vezes uma actividade de férias. Na época, a exploração infantil tinha um significado algo diferente: os gaiatos iam trabalhar para explorar o que custa a vida!
Como na altura ainda não havia TGV, fui de comboio regional. Maravilhoso, apenas 16 horas de viagem. Até então, não tinha a noção de como era longe o Algarve. Afinal de contas é quase Marrocos! Chegado ao destino, rumei ao parque de campismo4, onde após cuidado e detalhado estudo sobre sombras5, armei a barraca. Posto isto, fui até ao mar.

4 A opcção pelo campismo deveu-se ao gosto pelo contacto com natureza, este fortemente incentivado pela escassez de liquidez.
5 Na manhã seguinte viria a concluir que Galileu estava errado, ou seja, o sol move-se. Não senti a Terra mexer, no entanto, a sombra da manhã, nada tinha a ver com a da tarde anterior.


No final da tarde, já dotado de um belo escaldão e vencida a fila para o banho no campismo, fui em busca de repasto. No restaurante, empunhando a ementa, conclui que as férias seriam extremamente instrutivas. No algarve, a língua oficial é o inglês! Desde o pedido até à conta, tudo se passava como se trata-se de um distinto turista inglês, daqueles que vêm da Inglaterra. O desfecho disso, e talvez também consequência do inglês de praia, foi que pedi várias vezes comida de que não gostava e paguei contas para as quais não estava psicologicamente preparado.
Por motivos óbvios, os oito dias planeados rapidamente encolheram para quatro. Mesmo assim, consegui evitar o comboio e regressei de carro. Ah pois é, regressei à boleia!
Já adulto, mas solteiro, resolvi investir em férias além-fronteiras. De poupanças6 em punho lá comprei um pacote de férias denominado “Vá para fora”. No entanto, o produto afinal era “Vá para fora, cá dentro”. Efectivamente, o “cá dentro” estava lá, mas ofuscado por um cartaz dum concerto, acho eu, da Samantha Fox.

6 Pronto já sei! Estão a rotular-me de antiquado. Devia era ter feito um crédito para férias, depois como saldar a coisa, era apenas um detalhe.

Ultrapassado o equívoco, enfiei-me num avião rumo a um longínquo paraíso tropical. A ideia era passar umas férias sem portugas! Todavia, durante a viagem alguns “tá bem, passa pra cá, desampara a loja”, sugeriam presença lusa a bordo. E de resto, o ensurdecedor aplauso a assinalar a aterragem, certificaria o meu maior receio. A bordo seguia uma força invasora! Uns quantos recém-casados, alguns reformados e grupos de solteiros, ainda meio anestesiados7, compunham as suas fileiras!

7 A capacidade máxima do vidrão de bordo terá sido atingida 1 hora após a descolagem.

Durante o desembarque, momentos houve que roçaram os experimentados pelas tropas aliadas durante o dia D na Normandia. No meio do salve-se quem puder, soavam frases do tipo: “amor, não te esqueças da máquina fotográfica”, “deixa passar que estou com uma sede do caraças!”, “amorzinho, vai tu à frente”, “manel, trouxeste os dentes”; “Bora lá às gajas”. Os dados estavam lançados!
Enfim, instalado no hotel, ou melhor num colonato luso, quase que conseguia repousar após uma viagem de 16 horas. Sim, quase, já que entretanto uns quantos indivíduos faziam a ronda, cantando qualquer coisa yellow submarine. Felizmente, as férias acabaram e lá regressei para um local com menos Tugas por metro quadrado, Portugal!
Posteriormente, vieram as férias em família. Aqui a coisa era bastante mais calma. Na véspera da partida, dava-se início à carga dos pertences essenciais para uma semana de férias. Normalmente, a coisa resolvia-se com três malas de roupa por pessoa, ou seja, no caso um total de nove. Depois, o saco com equipamento de praia, o do farnel para a viagem, outro com ração para os animais e, finalmente, o carrinho de mão. E pronto, estava tudo!
No dia seguinte, os três, o cão, o gato e o canário, lá partíamos rumo ao descanso. Por vezes, para facilitar o fecho das portas, o cão entrava pela janela, já com o carro em andamento. Percorridos cerca de 10 km de um total de 500, o Alfredo, criança da família, iniciava a sequela de perguntas. O “ainda falta muito?” ou então o “já estamos a chegar?” seriam repisados um sem número de ocasiões, que até o cão rogava por misericórdia.
Chegados ao destino, o primeiro dia era preenchido a descarregar e a arrumar as tralhas, num belíssimo apartamento no 5º andar frente à praia, sem elevador. Ao segundo dia, carregávamos o carinho de mão com o equipamento de praia e rumávamos até ao areal. Ao final da tarde, lá se regressava a casa. E assim se passavam os dias de descanso, tirando o último.
No derradeiro dia, o processo do primeiro era repetido, mas agora a descer escadas. No regresso, devido às habituais compras de férias, para fechar as portas, não bastava o cão entrar pela janela. O canário ajeitava-se no cinzeiro e o gato seguia de correio azul. Com sorte, o bichano chegava ao destino no dia seguinte!