Flanelas
Desde
gaiato que sou conhecido por flanelas. Tal alcunha foi-me atribuída ainda nos
tempos da primária. Possivelmente para tal, contribuiu o facto de estar sempre
na primeira linha de resposta aos pedidos do mestre-escola. Além disso, raras
eram as semanas em que não agraciava o dito com oferendas.
O
sucesso da bajulação na primária recomendou a sua introdução como prática
habitual de manifestação de competência. De facto, desde os estudos, passando
pelo trabalho e até em casa, o tratamento da flanela sempre mostrou ser uma mais-valia.
Ao
longo do percurso académico, a técnica foi sempre idêntica. Ir a todas as
aulas, incluindo as suplementares, acenar positivamente com a cabeça a todas as
declarações do professor e, finalmente, ter sempre algo a acrescentar. Esta
última, de extrema importância, dado que apesar do risco envolvido em dizer
algo óbvio ou mesmo ridículo, demonstra interesse. Igualmente essencial, é a
presença, no mínimo semanal, no gabinete do professor para tirar dúvidas. Esta
comparência, de caracter obrigatório, não se deve limitar à existência de dúvidas.
Notar que estas, caso existam, são apenas e exclusivamente devidas a limitações
próprias e nunca o resultado de deficiente explanação da matéria. Uma visita ao
gabinete do professor representa uma bela oportunidade para quem não querendo,
mas até quer, largar uns subtis elogios ao dito.
Adoptados
os prévios preceitos, gozámos do cocktail
necessário e suficiente, para dispensar equivalências e chegar a Doutor. Todavia,
existem casos de professores imunes à terapia, resultando necessário estudar e,
em condições extremas, recorrer mesmo a uma mezinha alternativa. A cunha metida
por um padrinho! Neste caso, é de extrema importância a certificação da mestria
do padrinho a entalar calços. Lembrar que um bom patrono tem, obrigatoriamente,
que ser por afinidade um excepcional lambe-botas.
Por
outro lado, se levarmos em linha de conta que o período dos estudos, pela via
tradicional1, demora em média 20 anos, facilmente se depreende que
bajular apenas numa actividade, resulta em prejuízo.
1.Fazer todos os
anos lectivos e, um de cada vez, em contraponto à aquisição de pacotes
promocionais de cursos por atacado.
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Deste modo, é
proveitoso agarrar as oportunidades lançadas no seio de determinados
ajuntamentos, nomeadamente dos que nutrem interesse pelo bem-estar da
sociedade. Ciente desse facto, paralelamente aos estudos passei a partilhar de
convicções, que além de fortes e precisas eram também, quiçá, palermas. Além de
novas doutrinas, fiquei apetrechado também de padrinhos.
Entretanto,
finalizados os estudos, chegara o momento de procurar emprego. Detentor de um,
não menos que destinto, currículo académico na área da construção, nomeadamente
de legos, concorri a dezenas de firmas do sector da construção. Recebi então
uma convocatória para prestar provas numa delas. Chegado o dia lá me
apresentei. Vá lá saber-se porquê, entre vinte candidatos, obtive a última
classificação na prova escrita. Garantidamente, tal falhanço resultou da
deficiente formulação das questões. Todavia, na entrevista, obtive a
classificação máxima. Aliás, o responsável dos recursos humanos2
sugeriu-me o cargo de responsável nacional da divisão de obras, em detrimento
da vaga de engenheiro estagiário. Embora reticente, acabei por aceder. Nestas
coisas, há que saber fazer sacrifícios, começar por baixo e, dar tempo ao
tempo.
2. Curiosamente,
também ele era afilhado de um dos meus padrinhos.
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Iniciadas
funções, procurei desde o primeiro dia, como de resto sempre foi meu apanágio,
mostrar competência. Mesmo quando não podia ajudar, atrapalhava, afinal o
importante era participar!
À
acção da flanela ninguém escapava, toda a cadeia hierárquica era polida. No
lote, estava incluído um senhor baixote3, que às vezes deambulava
pelos corredores e que, habitualmente, também participava na festa de Natal. No
caso da gerência, a receita aplicada passava por relatar todos os comentários e
juízos, que eram avançados pela classe operária na véspera, durante a
confraternização pós-laboral. Aos operários era prescrita camaradagem e críticas
anti capitalismo. A estratégia foi um sucesso! Após três meses, oito greves e
um despedimento coletivo, chegaria uma promoção. Esta, não menos que merecida, atirava-me
para a administração.
3. Normalmente,
usava um pijama branco com uma inscrição que dizia: centro hospitalar qualquer coisa.
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Depois
de meia dúzia de anos como administrador privado, chegara o momento de dar o
contributo ao meu País. Motivado, essencialmente, pelo desafio de poder gerir o
dinheiro dos outros, voluntariei-me para gestor publico. Desde então, além de
acumular no currículo várias insolvências, tornei-me também padrinho!
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