República dos cartoons
Movido
por um espirito patriótico quase ilimitado, resolvi promover debates para
discutir o estado da nação. Nesse sentido, solicitei a presença das mais altas
individualidades da esfera pensadora. Resultado da elevada adesão à iniciativa,
fui obrigado a colocar mais duas cadeiras na mesa de seis lugares.
Após
longa e profunda reflexão[1],
foi delineado, não só um modelo de gestão, como também um executivo para
comandar os desígnios da nação. Entre os nomes avançados para constituir o
executivo estavam, entre outros, nomes sonantes como o Tio Patinhas, o Homer Simpsom
e o Averell Dalton. Infelizmente, o Noddy, escapou ao consenso geral por
prevaricar amiúde[2].
A falta de unanimidade entre os conselheiros, acabaria mesmo por ditar o seu
afastamento.
O
Tio Patinhas haveria de ficar com a
pasta das finanças. O seu perfil avarento e angariador de fundos, mais que
adequado, assim o recomendava. Basta para isso ter em linha de conta que em seu
entendimento, todas as despesas que escapam ao regime alimentar designado de a pão-e-água, são supérfluas.
Entre
as propostas mais emblemáticas, o Tio
Patinhas sugeriu a criação de um imposto verde, para tributar o consumo de
oxigénio. Aos consumos superiores a 60 inspirações por minuto, seria aplicada
uma tarifa igual a 1% do vencimento, por inspiração. Notar que, além de ser
amiga do ambiente, tal contribuição assenta numa estratégia de justiça social,
em que quem mais ganha, mais paga. Agora vejam bem o alcance económico desta
medida. Para isso, basta considerar o caso de um fim-de-semana desportivo, isto
já para não mencionar os períodos dourados que seriam os das competições
desportivas.
Outra
proposta, não menos genial, passaria por acabar com a remuneração mensal dos
funcionários públicos. Em vez desse luxo, tais trabalhadores passariam a
auferir de uma mesada. Tal medida, além de permitir enormes poupanças, evitaria
eventuais desvaneios[3]
dos ditos funcionários.
Os
assuntos do emprego e da solidariedade social seriam confiados ao Calimero. Aqui convirá referir que
algumas das características desta ave, como sejam, a simplicidade, a honestidade
e o bom coração, colocaram em risco a sua nomeação. Contudo, foi valorizado o
seu estilo infeliz e lamuriento, que decerto daria um certo jeito para anunciar
subidas de impostos.
No
caso dos desempregados a solução apresentada passava por criar um programa
designado de Comboio Rosa. Segundo
este programa, qualquer individuo desempregado, após dois dias em tal condição,
era encaminhado para uma estação de caminho-de-ferro, secreta, onde embarcava
num belo comboio cor-de-rosa. Após transpor a fronteira, os dito cujos eram
largados à socapa, passando automaticamente a possuir novo estatuto, o de
emigrante!
À
medida anterior, juntar-se-ia a cessação de qualquer auxílio social, incluindo
reformas de aposentação. As reformas seriam evitadas através da adopção da
directiva “tombar em serviço”. A
reforma, passaria a ser desonrosa para qualquer cidadão que apresentasse uma
incapacidade física e ou mental abaixo dos 99%.
Ao
Pinóquio, seria entregue o ministério
da economia. A escolha, não poderia ser mais feliz. Logo à partida, e sem
qualquer medida de monta, a produção de madeira dispararia proporcionalmente
com o número de intrujices. De facto, esta ficaria somente sujeita ao número de
intervenções públicas[4].
Além da exportação de madeira, tal personagem propunha para a alavancagem da
economia a produção massiva de delícias do mar. Aliás, haveria mesmo investido
o seu intelecto na lavragem de um tratado intitulado, “As delícias do mar. A criação em viveiro”.
Para
estimular o consumo interno, os bens primários passariam a ser tributados
apenas a 50%. Excepção feita para o vinho e seus derivados. Além de isentos,
estes produtos passariam a auferir de uma subvenção de apoio ao consumo. Os
ganhos desta medida, além de económicos, seriam também sociais. Senão vejam! O
consumo indiscriminado de vinho potenciaria, não só, um alargado estado de
felicidade e euforia, como também um forte aumento da receita fiscal, por via
das contraordenações de trânsito.
Na
educação e ciência, Homer Simpson,
decerto que fará história. A questão do financiamento do sistema passa, de
forma definitiva, a ser solucionada. Mais, a expressão cortes no dito, deixaria
mesmo de fazer qualquer sentido. Para tal, o sistema educativo passaria a
depender, apenas e exclusivamente, dele próprio.
Por
outro lado, a carreira docente passaria a ser em regime de voluntariado[5].
Ao aforro económico desta medida, juntar-se-ia uma outra vantagem, nomeadamente
no que respeita à colocação dos docentes. As escolas passariam a funcionar como
um quartel de bombeiros voluntários, que em caso de necessidade fariam tocar
uma sirene. Ora, em tal situação, os professores ao toque da dita, iriam a
correr para a escola para leccionar[6].
Resumindo,
o ano lectivo passaria a ser qualquer coisa como a época dos incêndios, mas sem
os meios aéreos. Os directores de escola seriam os comandantes operacionais no
terreno e, o ministério o posto de comando estratégico. Não tinha por onde
falhar!
Neste
cenário, a credibilidade do ensino haveria de ser elevada aos píncaros.
Qualquer candidato a professor voluntário, além de ser sujeito a uma bateria de
provas escritas, em substituição de um curso superior, teria ainda de cumprir
em corrida uma distância de 10000 metros, num máximo de 5 minutos.
Na
ciência, a brilhante estratégia delineada, deixava adivinhar a conquista de uns
quantos prémios Nobel. A ideia base
seria a de promover a investigação assente no princípio “Desenvolver para comer”. Os centros de investigação deixariam de
auferir de financiamento monetário, passando este a ser em senhas de refeição.
Certamente, seriam evitados gastos desnecessários na compra de equipamentos
inúteis[7].
Mais, ficando a atribuição de senhas dependente da produção científica, seria
assim também mais eficaz o controlo da obesidade.
Para
a justiça, seria indigitado o Averell
Dalton. A preferência por tal personagem deveu-se, essencialmente, ao seu profundo
conhecimento sobre o sistema judicial.
A
sua proposta de reformulação da justiça era no mínimo genial. Em linhas gerais,
assentava num modelo de proximidade e de decentralização dos serviços. Em
alternativa ao modelo clássico dos tribunais, funcionando em edifícios, seria
implementado um verdadeiro paradigma de vizinhança, o tribunal itinerante. Para
isso, bastava equipar umas furgonetas com uma mesa e umas quantas cadeiras.
Assim seriam evitadas despesas com os imóveis e permitiria ao cidadão poupar em
despesas de deslocação. Com a introdução deste conceito, os utentes apenas
teriam que gerir a sua agenda, em função do dia da passagem do tribunal lá pela
terra.
Outra
vantagem estaria na introdução de novas valências no tribunal itinerante,
nomeadamente no domínio da transação de bens. Nos locais mais remotos, a
passagem da furgonete poderia ser facilmente rentabilizada, por exemplo,
através da venda de pão, fruta, mercearia, peixe, carne e até delícias do mar.
Obviamente, tal serviço funcionaria em estreita colaboração com o ministério da
economia, titulado pelo ministro Pinóquio.
Para
o tribunal constitucional, a proposta de Dalton,
não ia no sentido da sua extinção, mas sim de um funcionamento em regime de
convocatória. Assim, este passaria a ser do tipo reunião de condomínio, em que
o administrador era o ministro. Desta forma, assegurava que todas as propostas
avançadas pelo executivo, honravam a Constituição da República.
Por
outro lado, o conceito tradicional de cumprir penas em penitenciárias, seria
também ele totalmente revolucionado. Os castigos passariam a ser cumpridos em
habitação própria, evitando assim despesas com alimentação e alojamento. No
sentido de prevenir fugas, a casa de cada recluso seria armadilhada com um
dispositivo dotado da mais avançada tecnologia, nomeadamente, rede mosquiteira
electrificada em todos os acessos.
Os
assuntos da agricultura e do mar ficariam a cargo do Zé colmeia e do Pirata Sam,
respectivamente. Seria, portanto, uma liderança bicéfala. Nestes domínios a
politica a seguir apontaria no sentido de abater toda a frota pesqueira e
proibir o cultivo de qualquer espécie de planta. O objectivo era garantir a
preservação das espécies e dos solos.
O
consumo de hortícolas passaria a depender única e exclusivamente de espécies de
surgimento espontâneo. No que toca ao peixe, apenas seria permitido o consumo
de enlatados de importação. Para evitar eventuais prevaricações, de pescadores
e agricultores, seria criada uma força especial aerotransportada de
fiscalização.
Em
linhas gerais, o modelo de governação estava assim alinhavado. Todavia,
escaramuças entre alguns dos intervenientes nesta reflexão, nomeadamente ao
nível da aplicação repetida de garrafas em cabeça alheia, ditaram o embargo de
tão ambicioso plano de governação. Do debate, resultariam ferimentos em três,
repito, em quatro dos pensadores, tendo mesmo implicado o internamento de cinco
deles.
[3] Enquadram-se,
por exemplo, atitudes como ser proprietário de mais de um par de sapatos, usar
roupa diferente todas semanas e habitar casas luxosas, daquelas que têm duas ou
mais assoalhadas.
[4] Notar que sendo
o Pinóquio em madeira e, o seu nariz
aumentar com as mentiras, bastava ir cortando.
[5] Neste caso, os
voluntários teriam direito às broas no Natal e equipamento de protecção
individual, nomeadamente, anti-agressão.
[6] Notar que tal
atitude, muito provavelmente, levaria que excedessem as 60 inspirações por
minuto, entrando portanto em transgressão.
[7] Um caso bastante
comum são os computadores. Afinal de contas, existindo papel e canetas, que
raio de sentido faz gastar o dinheiro dos impostos em tal equipamento?
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