Desgaste rápido
O
meu avô, de sua graça Manuel Mendes, foi jornaleiro! Pois, Jornaleiro, mas não
vendia jornais! Trabalhava na agricultura, com contratos diários. Estranhamente,
não retorquia empresário agrícola ou jovem agricultor, quando questionado sobre
a sua actividade profissional. Decididamente, o Manel não era um visionário!
Hoje
em dia, tamanha simplicidade seria, no mínimo, considerada de uma pequenez quase
intolerável. Efectivamente, nos últimos anos, um grosso número de profissões sofreu
profunda modernização ao nível da designação. Por exemplo, o tradicional
festeiro passou a ser designado de relações públicas. Obviamente, ser relações públicas
em nada se compara a ser festeiro. Logo para começar, nas suas atribuições não
se incluem actividades tais como, assar frangos, lançar foguetes ou fazer os
leilões da quermesse. As suas incumbências resume-se a dar conversa. Ou seja, é
uma espécie de festeiro mas que, no entanto, apenas dá conversa!
Por
outro lado, as novas tecnologias potenciaram o surgimento de novas profissões, algumas
assumindo-se como pilares do desenvolvimento das espécies. Uma delas é a de blogger. Esta actividade, além de ser
determinante para o desempenho de um qualquer hemisfério cerebral, apresenta-se
como alavanca da economia de qualquer nação. Basta para isso, considerar o
contributo inigualável que um conjunto de composições sobre os mais variados e interessantes
temas, têm para o produto interno bruto. Isto, sem considerar o facto de quando
a leitura de tais tratados coincide com o horário laboral dos leitores. Nesse
caso, o patronato sai também beneficiado, uma vez que, embora o funcionário não
esteja a produzir riqueza para a empresa, está a adquirir conhecimento. E quem sabe
se um dia, as orientações absorvidas num qualquer blogue, não poderão representar para a firma uma mais-valia do tipo
insolvência por não sei o quê.
Mas
bom, voltando ao caso do meu avô Manel,
por ser jornaleiro, além de não ter disponibilidade, digamos de tempo, para ter
uma conta num paraíso fiscal, não auferia de benesses na hora de pagar impostos.
Depois de fazer uma análise cuidada sobre a questão dos impostos, concluiu que
o problema só poderia ser resolvido através de uma das seguintes vias: se
deixasse de trabalhar, ficasse rico ou então fosse atleta de alta competição. A
primeira hipótese, apesar de ser bastante apetecível, teria por certo um desfecho,
digamos, pouco agradável. Ficar rico, assim sem mais, seria no mínimo utópico.
Isto se levarmos em linha de conta que o Manel
nunca pertenceu a quadrilhas ou andou metido na política. Resumindo, a chave
para o problema estava no desporto!
Vai
daí, largou a agricultura e abraçou em exclusivo a actividade desportiva. Após
detalhado e cuidadoso estudo sobre as várias modalidades desportivas, resolveu
inscrever-se no chinquilho. No início, não foi nada fácil. As contrariedades
foram muitas… levantar cedo para os treinos de quase 4 horas, depois fazer
ginásio e massagens de relaxamento, era tudo simplesmente estafante. De facto,
a dureza e horário dos treinos em nada se comparava, ao de sol-a-sol da jorna
agrícola. Depois havia também a questão dos estágios. Muitas das vezes, o pobre
homem era obrigado a passar largas temporadas em praias exóticas, isto só para
acostumar o costado ao clima.
Contudo,
rapidamente os enormes sacrifícios viriam a dar fruto. Apenas dois anos
volvidos, já tinha sido quase várias vezes internacional pela selecção nacional
de chinquilho. Com o sucesso desportivo, não tardou também o retorno
financeiro. Além do vencimento, passou também a usufruir de chorudas maquias em
campanhas publicitárias de promoção a bancos em pré-falência e a champôs para cães.
Mas melhor que tudo, alcançou o estatuto de atleta de alta competição. E assim,
sem mais, de jornaleiro de desgaste lento, passou a atleta de desgaste rápido
com benesses fiscais.
Todavia,
atingidos os 35 anos de idade, o ti Manel,
derreado claro está, teve que abandonar o desporto de alta competição. Nessa
fase, sem saber o que fazer para ocupar o tempo, resolveu inscrever-se em
concursos televisivos. A participação num deles, por sinal muito jeitoso, o Encharca-o-Tanque, viria a projectar o Manel para o mundo dos negócios.
No
dito programa, o Manel apresentou a
sua ideia de negócio, que consistia num novo conceito de cozinha gourmet, em que o objectivo era servir
comida e não iscos para a pesca. O público-alvo seriam caçadores, pescadores e outros mentirosos. Foi a loucura! Perante
tão arrojado e brilhante rasgo mental, os membros do júri, envolveram-se numa
acesa disputa, digamos à bofetada, isto
só para conseguir um lugar na futura sociedade. Justo como era o Manel, resolveu que todos participariam desde
que entrassem na escala de serviço ao balcão.
Formado
o grupo de investidores, foi sugerido ao Manel
que fundasse uma spin-off no ramo da
restauração gourmet. Ao que este
respondeu: “Smirnoff o quê? Eu cá não
bebo dessa merda! Para mim tem que ser tinto e do bom!”. Mas bom, lá
chegaram a um consenso e fundaram a Taberna Arrebenta-a-tripa.
O
negócio foi um sucesso! Ainda jovem, o estabelecimento contava já com a
inscrição em vários roteiros gastronómicos e com 5 Estrelas Mabor. Para isso, muito contribuíram os elaborados pratos
de jaquinzinhos de escabeche e de iscas de cebolada, confecionados pelo famoso Chef Migas.
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