Ti Lepoldo
Na minha infância, passada
na Beira Baixa, ocupava grande parte do meu tempo a acompanhar o Sr. Leopoldo
nas suas tarefas na agricultura. Recordo com saudade esses tempos em que andávamos
nos campos, lá pelo Bairro do Disco, enquanto traulitávamos uma música da qual
somente retenho o nome, A Laranjinha. Note-se que apesar de ter uma irmã,
bastante mais idosa, que de resto ainda o é hoje, eu acompanhava o Leopoldo, para,
vá-la, lhe dar folga.
O Sr. Leopoldo, carinhosamente
tratado por todos por Ti Lepoldo, recebeu em determinada altura na sua exploração agrícola, uma visita dos
indivíduos da ASAE . Em jeito de homenagem às minhas
origens, o ocorrido vai ser relatado utilizando termos linguísticos tipicamente
utilizados por essa altura na minha região. Vá dai, muitos de vós, precisareis
de recorrer a um Beirão mais idoso, tipo a minha irmã, para arranjar sinónimos
para alguns dos termos.
De
madrugada, tocaram à porta. O Lepoldo, estremunhado e meio encarrapato, assomou
ao postigo. À beira da porta estava uma cachopa novita, mas asadinha, e um home
amode mal-enjorcado. Botou à pressa uma camisola de abafo e foi abrir a porta. Com
as pressas, não fechou a portinhola das calças e deu com uma canela na quina da
porta. Eram da ASAE e queriam ver a fazenda e o vivo. O Lepoldo mandou-os
entrar e deu-se a seguinte conversa:
[Lepoldo]
Vou só comer esta malga de sopas e já lá vamos. Atão, vossemecês não querem
boer um tinto e comer uma talhada de quejo queimoso. Não tenhais nonjo, tá tudo
limpinho.
[ASAE]
Não obrigado, já comemos!
[Lepoldo]
Se quiserdes, tamém tenho umas regotas com ovo ali na sertã!
[ASAE]
??? Não obrigado, só queremos ver a sua exploração agrícola.
[Lepoldo]
Mas olhem que anteonte choveu como quem na entornava…. até caiu uma pancada de pedrisco,
tá tudo um lapacheiro. E a vintaneira que faz hoje… Nesses trajes, vós ides
arreganhar!
[ASAE]
???
[Lepoldo]
Vou botar o garruço e umas polainas e osdepois vamos lá! Impeçamos pelo bácaro
que a furda é pertelinho.
[ASAE]
???
[Lepoldo]
Cá tá ele! A vienda é só hortaliças, nada de farinhas. Todos os dias lambe a
pia de cabulo!
[ASAE]
??? Ah! O bácaro é um porco! Tem o boletim sanitário do animal em dia?
[Lepoldo]
Vossemecê está a mangar comigo? Sanitário? Pra quê? Ele caga sempre ali ó pé da
pia!
[ASAE]
??? Então para que serve o arame que ele tem no nariz?
[Lepoldo]
É o arganel, o alma-do-diabo andava sempre a fossar!
[ASAE]
??? Então e que mais animais tem?
[Lepoldo]
Atão, tenho uma dúzia de pitos, oito pitas, seis pedrezes poedeiras, dez
marrecos, quatro coelhos e umas cabritas.
[ASAE]
Onde estão esses animais?
[Lepoldo]
Uns estão no bardo outros no curral. Os marrecos, esses andam à larga.
[ASAE]
Vamos então ver as cabras.
[Lepoldo]
Cá tão elas, a estrela e a mocha!
[ASAE]
Mas está ali outra ao canto… e não deve dar muito leite, pois não? As tetas
dela são muito pequenas.
[Lepoldo]
Lete? O que tá acapaçado ali na quina é o chibo! Aquilo não é o amojo, são as
miudezas!
[ASAE]
??? Posso vê-lo de perto?
[Lepoldo]
Atão não pode! Mas olhe que ele aventa consigo!
[ASAE]
???
[Lepoldo]
Esteja mas é quêdo! Fuja daí!
[ASAE]
??? Ai! Ai! Ajudem!
[Lepoldo]
Catrino, mas que lapada vossemecê levou nas nalgas! Ele é amode esparvoado!
[ASAE]
Está tudo bem! Vamos mas é ver a horta.
[Lepoldo]
Atão mas a mancar tanto e com esse lanho na mão, assente-se mas é ai nesse tropeço?
[ASAE]
??? Deixe, já passou! Vamos ver a horta.
[Lepoldo]
Cá tá ela! Tenho verduras, umas batatitas, sabolas e uns gachitos para fazer a
pinga!
[ASAE]
??? Sabolas… onde estão?
[Lepoldo]
Estão ali naquele combro, não as enxergam?
[ASAE]
??? Ah, são cebolas! Então e utiliza bombas eléctricas na rega?
[Lepoldo]
Ná gasto luz da hidro. Para augar a horta tenho o Pachancho a pitrol.
[ASAE]
??? Então e químicos, utiliza?
[Lepoldo]
Só para a barboleta da batata e para as sapatas das couves!
[ASAE]
Então e onde guarda os químicos?
[Lepoldo]
Tão além no palheiro dentro duma saca plástica atada com uma baraça.
[ASAE]
Podemos ver a sua licença para a aplicação dos químicos?
[Lepoldo]
Lecença? Arre porra, ná bonda já ter que mercar os remédios!
[ASAE]
??? Vende alguns dos seus produtos?
[Lepoldo]
Poi atão, umas verduras e uns chibitos, mas tudo à manha.
[ASAE]
??? À manha? Quer isso dizer que não tem licença para vender os produtos?
[Lepoldo]
Poi atão! Tou a ver que vossemecê nem que chegue aos 100 anos se faz home!
[ASAE]
??? Bom, vamos ter que o autuar por venda ilegal de carne e por não possuir
licença para aplicação de produtos químicos.
[Lepoldo]
Ora esta! É só arrelias!
[ASAE]
??? Quer isso dizer que está então esclarecido?
[Lepoldo]
Tá… tá! Botai-vos mas é daqui pra fora, senão levais com este tanganho nas
ventas.
Sem comentários:
Enviar um comentário