O empreendedor
Terminados
os estudos surgiu o dilema: trabalhar por conta de outrem ou criar o próprio
emprego? Felizmente, na tomada de decisão imperou o bom senso, ou seja, trabalhar
prontamente saiu da equação. O destino impingiu-me o mundo dos negócios; ramo de
actividade todo e qualquer com subsídio. Consequência disso, ainda hoje não tenho
possibilidades para possuir carro próprio. Sou forçado a deslocar-me num topo
de gama da firma, pois o ordenado mínimo não dá para mais. Uma tristeza!
Contudo,
a estreia nos empreendimentos não foi nada fácil. Não fora a minha tenacidade,
espirito combativo e um pai abonado, talvez tivesse mesmo desistido. Apreciemos
o exemplo. O projecto pioneiro tinha por base uma ideia cuja genialidade era,
no mínimo, comparável à descoberta da roda. A dita, consistia na distribuição via wireless de energia eléctrica trifásica!
Todavia, superiores interesses e, quiçá, pontuais electrocuções rapidamente transformaram
o ovo de Colombo em fracasso.
Posteriormente,
deparei-me com um autêntico diamante em bruto. A agricultura! A escolha por
este ramo de negócio não poderia ter sido mais feliz! Logo para começar, sem
mais requisitos, a minha juventude foi alargada até aos 45 anos[1]. Além
disso, permitiu potenciar os profundos saberes já detidos na área[2].
Após
candidatura a uns trocos a fundo perdido, lá consegui financiamento para desenraizar
umas oliveiras e adquirir um jipe. Embora com o orçamento já algo limitado,
investi igualmente num tractorzeco
com 600 cavalos, ar condicionado e orientação por satélite. No entanto, o potencial
do tractor viria a revelar-se algo limitado, uma vez que não sobrou capital
para adquirir alguns extras, nomeadamente aqueles que habitualmente se penduram
na sua traseira, alfaias e não sei mais o quê... Mesmo assim, o dito não deixou
de ser uma mais-valia para o negócio. Efectivamente, os 300 cavalos do jipe
também gostavam da palha[3], gentilmente
facilitada para alimentar os respectivos do tractor.
Seguindo
o excepcional projeto agrícola, foram plantados coqueiros no lugar das
oliveiras. Estranhamente, os ditos não se acostumaram aos ares da Beira
Interior. Ainda hoje, estou perfeitamente convencido que o problema foram as
alterações climáticas, nomeadamente, o degelo na Antártida. Grandes males…
grandes remédios! Com novo subsídio arranquei os coqueiros, plantei oliveiras e
com o remanescente comprei um modesto apartamento no Algarve.
Enquanto
aguardava que as oliveiras dessem fruto, resolvi alargar o negócio ao gado
ligeiro. Após detalhada análise dos amparos financeiros, a opção recaiu sobre
ovelhas e cabras. Para desenvolver competências na área, frequentei um workshop sobre a dita rapaziada. Foi
muito proveitoso, após 20 horas de formação já sabia distinguir na perfeição as
cabras das ovelhas e dos cães. Também não seria de esperar outra coisa, afinal
o formador para além do sólido conhecimento teórico acerca dos animais de
quatro patas, costumava visitar um avô que em tempos tinha tido uma cabra.
No
entanto, mesmo na posse das competências necessárias para lidar com ovelhas e
cabras, de toda e qualquer espécie, surgiram algumas dificuldades devido à
natureza estranha dos seus comportamentos. Estes animais, além de madrugadores,
teimavam em comer todos os dias[4]. Mais, na
hora da ordenha alguns havia que não contribuíam com leite. E pior, ficavam mesmo
bastante agressivos. Para resolver o problema, quem não cooperava na ordenha era
abatido. Curiosamente, liquidado o grupo dos teimosos findou a procriação por
parte das restantes. Deve ter sido do desgosto…
Por
outro lado, o abate dos rebeldes levantou ainda outro problema: confusão na
contagem dos animais para efeitos do subsídio. Para facilitar o trabalho do
fiscal, resolvi desenvolver e implementar um programa tipo Erasmus, para ovelhas. O intercâmbio, além de promover o bom
relacionamento entre a vizinhança proporcionava à bicharada uma visão além
curral. Foi um sucesso! As cabras e ovelhas nem pareciam as mesmas.
Efectivamente, algumas nem o eram, uma vez que convenci um dos vizinhos de que
o fiscal lhe tinha confiscado parte das ovelhas.
Entretanto,
as oliveiras lá cresceram e começaram a dar fruto. Por esse motivo, surgiu a
necessidade de contratar um entendido na matéria. Dirigi-me ao centro de
emprego e solicitei um profissional encartado no domínio das azeitonas. Os
referidos serviços, após rigoroso processo de selecção, lá recomendaram um
candidato. Este, que por acaso era primo de uma amiga da funcionária que o indicou,
era no mínimo um visionário. Só para terem uma noção do seu nível de
conhecimento, assim sem mais, sugeriu que se esmagassem as azeitonas para fazer
azeite.
No
entanto, essa coisa de fazer azeite implicava a colheita da azeitona e, pior, não
existia subsídio para tal. A solução foi requerer um subsídio para arrancar as
oliveiras e, posteriormente, vendê-las para lenha. Mais, peguei no tractor, nas
cabras e ovelhas e vendi tudo por atacado.
Depois
disso, visando alargar horizontes, fui para o estrageiro. Nem mais, passei a
ser um cérebro empreendedor em fuga! Todavia, as saudades e, ultrapassado que
estava o período em que arriscaria ser condenado por fraude fiscal, acabaram
por ditar o regresso! Nem a propósito, viria a ser convidado para integrar um
novo desafio. Nem poderia ter sido de outra forma. Afinal, eram já sólidas as competências
adquiridas, não apenas na pátria mas também além-fronteiras, no domínio das insolvências.
Enfim, fui convidado para administrador de uma empresa pública. Área de
trafegueio: energia, nomeadamente a do retalho de combustíveis. Esse viria a
ser o culminar de um sonho de infância[5]…
Todavia,
o auge nos negócios, apenas viria a ser alcançado mais tarde e, seria no mundo
das finanças. A arte da negociação de títulos viria a revelar-se o meu real
talento. Como que por obra divina, fui abençoado com capacidades de previsão, fosse
lá qual fosse o ramo de negócio. Passei ainda a dispor de roliços montantes de
capital, cedidos pela banca, sem que para isso tivesse que apresentar qualquer
tipo de garantia. Tudo seguia pelo melhor, não fosse ter atingido os 45 anos. Pois
é, chegara o momento da aposentação! Além disso, o banco que amavelmente
patrocinava o negócio, padecia não sei do quê. Ao que parece, o achaque era o
mesmo do queijo suíço, buracos!
Já
aposentado, estabeleci-me como comentador, na radio, televisão e onde quer que
fosse, desde que ressarcido! Os temas abordados nos comentários, limitados à
minha humilde esfera de conhecimentos, iam desde o padrão de tecidos para cortinados
de cozinha até misseis balísticos.
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