segunda-feira, 6 de junho de 2016

Todos os ricos são comediantes


Todos os ricos são comediantes



Decididamente, a arte do engate é coisa que não me assiste! Na verdade, representa a mais penosa das actividades. Na primária, ainda cheguei a ter várias namoradas. Todavia, havia o detalhe… elas não sabiam! À roda dos 20 anos declarei-me a uma bela moçoila que, entretanto, em hiperventilação foi à casa de banho, para não mais regressar. Durante algum tempo, ainda alimentei a hipótese de rapto. Porém, confirmar-se-ia tratar-se de uma simples retirada estratégica. Mas bom, pelo menos fui poupado a um desfecho do género, bojarda nas ventas.

Desde então, 99% das mulheres mostram indiferença e os restantes 1%, apenas desprezo absoluto pela minha pessoa. Na verdade, qualquer ensaio de abordagem representa o primeiro passo para o fracasso. Isto, apesar do ar desenxovalhado, ser alto e espadaúdo[1]. Possivelmente, galanteios do tipo “ó joia, anda cá ao ourives!” não eram, provavelmente, a melhor abordagem.

Entretanto, decidi investir no virtual. Fiz um curso de internet, desenrasquei um retrato jeitoso e abri conta no TrombasBook. Daí em diante, foi derreter horas a fio acantonado atrás do monitor. A técnica utilizada para fisgar, passava por mostrar elevada sensibilidade[2], ser divertido e extrovertido. Em apenas algumas semanas já tinha mais amigas, virtuais, que as conseguidas em toda a vida. A habilidade para manobrar teclas era claramente superior à de orador.

Ludibriadas as presas, era tempo de impingir cafeína. Assim como quem não quer a coisa, mas até quer, soltava um “temos de combinar um cafezinho”. E pronto, aceite o convite, estaria a um pequeno passo para o sucesso. Ou então, não! Afinal não era só o meu retrato que deturpava a triste realidade. De tudo se me atravessou à frente, até freguesas de bigode! No entanto, bicudo foi o sucedido num caso em que a expressão, livre e desimpedida, apenas se aplicou à rua utilizada na fuga a um potencial espancamento, com forte probabilidade de conduzir ao escavacar de membros. Foi então que, ainda de bofes de fora, achei por bem abandonar tal actividade!

Não conformado com situação, avancei para um estudo detalhado da casta feminina. Esta, geralmente, amontoa os sujeitos masculinos em duas categorias: os bonzinhos e os engatatões. O bonzinho, venera as mulheres, mas jamais supera a categoria de amigo. Pior, acaba frustrado. Apesar da sua dedicação, leva com um “gosto de ti como amigo…” ou então, na versão mais lamechas, “és como um irmão...”. Qualquer que seja o caso, o arremate final é do tipo “não quero estragar a nossa amizade”. Aliás, é recorrente as mulheres terem afirmações do tipo: “não se encontra homem que preste”, contudo, caso topem um, fazem questão de chamá-lo de melhor amigo. Resumindo, dali não levas nada!

Por outro lado, o engatatão, é gabarolas, maniento e usa frases feitas. Tem também o hábito de assemelhar as criaturas da casta feminina a um parque de diversões. Mais, evita sempre gastar todas as fichas no mesmo carrocel! Mesmo assim, elas insistem em prestar-lhe vassalagem e, pior, massacram o bonzinho com desabafos e lamurias.

No meu caso, apesar de ser gabarolas, acabava sempre com o bolso cheio de fichas. Para contrariar tal condição, resolvi frequentar uma formação, nível 1, ministrado por um especialista da conquista. A bem ou a mal, haveria de alcançar o alvará para tal empreitada. O eleito foi o Manecas, mundialmente conhecido como o rei do petróleo. Titulo adquirido por se fazer acompanhar de um volumoso maço de notas. Para impressionar as fêmeas, transportava no bolso das calças toda a divisa do monopólio do sobrinho.

Descendente de uma afamada linhagem de marialvas, o mestre Manecas, era detentor de um vasto currículo na arte de impressionar o sexo oposto. Entre as suas conquistas mais sonantes estão, por exemplo, três inglesas quase da monarquia, uma prima afastada e uma matulona de saia ao xadrez, de sua graça Zé Tó. Esta última aquisição, ficou a dever-se à saia[3] e, eventualmente, à momentânea confusão mental provocada pela elevada carga etílica.

Certo é que os seus ensinamentos viriam a transfigurar a minha pessoa. Num ápice, passei de palhaço a divertido, de fala-barato a misterioso e, finalmente, de mono temático a enciclopédia. O traquejo adquirido permitiu-me passar a dissertar sobre todos os assuntos[4] e mais alguns. Mesmo com conhecimentos escassos, ou mesmo nulos, sobre o grosso deles, a convicção demonstrada, permitia encobrir a ignorância. Mais, tornei-me um ser tão sensível que só de pensar no Bambi, ficava lavado em lágrimas.

Além da formação teórica, fiz ainda um estágio em contexto de trabalho, nível 2 de formação. Aos sábados à tarde, numa reputada danceteria na beira da estrada nacional, aplicava na prática, isto quando possível[5], os conhecimentos teóricos.

Para complementar a formação, voluntariei-me num ginásio, marquei hora na depilação e comprei um livro de culinária[6]. A rotina diária passou a ser fazer ginásio e confecionar refeições caseiras. Obviamente, deixei de trabalhar e desenvolvi uma úlcera no estômago. Contudo, fiquei senhor de uma majestosa silhueta e mais depenado que um frango de churrasco, depois de chamuscado.

Para completar a armação, carecia apenas dos trajes e de fragrâncias francesas. Na boutique, ao lado da barraca das meias, afiançado da originalidade dos produtos, adquiri dois pares de calças, três camisas, estas bastante discretas, tinham bordado nas costas touch me. Os sapatos, esses eram do tipo desportivo, o esquerdo 41 e o direito, também. Com umas peúgas turcas, até davam um belíssimo andar!

Aprumadinho e cheiroso, chegara a hora! Dos possíveis territórios de intervenção, a opção recaiu sobre o distinto bar, o covil. Atravessado o território hostil entre o estacionamento e a porta, avancei destemido rumo à conquista. No início, os resultados da estratégia de abordagem delineada, situaram-se muito abaixo das expectativas. Todavia, lá que causei impacto, não tenho dúvidas. Afinal, o quebra-gelo em uso “Já te disseram que és linda?”, era o motor para uma evasão estilo simulacro de incêndio. Claramente estavam a manifestar-se os resquícios do período bonzinho.

Contudo, os ensinamentos do catedrático Manecas haveriam de prevalecer. Com a actualização da estratégia, o modus operandi passou para “Olá, eu sou o Brósio, Am-Brósio. Posso oferecer-lhe uma bebida?”, seguida de um “importa-se que me sente aqui?”. E pronto, estava lançado o engodo! Uns bitaites sobre isto, outros sobre aquilo, fariam dessa noite um sucesso! Por um triz, não dava uso a uma ficha!

Embora o futuro prometesse triunfos, decidi abdicar em favor dos mais desfavorecidos. Desde então, dedico-me à causa, espalhando a doutrina dos Marialvas. Afinal, o que as mulheres mais querem é um homem que as faça rir. E pelo que percebo, todos os ricos são comediantes!



[1] Exercício de autoestima. Mesmo não convencidos, temos de acreditar.
[2] Mencionar que se tem um gato é em alguns casos benéfico.
[3] Afinal era um escocês. O facto de ser apreciador inveterado de saias, com padrão de xadrez, patrocinou o equívoco.
[4] Excepção feita para os temas, carros e futebol.
[5] Em larga medida, o tempo era ocupado a dançar com colegas da minha avó.
[6] Nível 3 de formação.

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